O
Senhor, através do profeta Ezequiel, com grande propriedade registrou:
"E
dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da
vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne.E porei dentro
de vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus
juízos, e os observeis... Então vos lembrareis dos vossos maus caminhos, e dos
vossos feitos, que não foram bons; e tereis nojo em vós mesmos das vossas
iniqüidades e das vossas abominações" (Ez 36.26-27, 31).
Um
homem nascido de novo, jamais olha para seus feitos pretéritos e contrários ao
Senhor, e neles se alegra ou sente uma razoável vontade de retornar às práticas
infernais. Um homem convertido com o santo e limpo sangue de Cristo, olha para
si, percebe suas imaginações, perscruta seu coração e diz: "Tenho nojo de mim
mesmo! Criatura asquerosa que sou eu! Olhe o que o pecado fez em mim! Olhe meus
pensamentos, minhas atitudes e meu desviar constante do Caminho! Miserável homem
que sou! (Rm 7.24)" Por este precioso ensinamento acerca do regenerar de Cristo,
é que disse Davi: "Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e tudo o que há em mim
bendiga o seu santo nome. Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e não te esqueças de
nenhum de seus benefícios" (Sl 103.1-2). Alguém transformado pelo evangelho da
graça é alguém que olha para si e sente grande repulsa, a ponto de instigar o
vômito, mas que também olha para Cristo e n'Ele encontra refúgio, "verdes
pastos [e] águas tranquilas" (Sl 23.2).[...]
Eis,
então, a razão para o apóstolo do Senhor registrar: "nos vivificou juntamente
com Cristo". Notemos como o vivificar (dar nova vida) não é alheio a Cristo, mas
sim "juntamente com Cristo". Mas, qual a importância? Ou, que diferença faz?
Quer dizer, uma vez que o apóstolo havia afirmado sobre que é em Cristo que
temos nossa adoção (Ef 1.5), qual a implicação desta afirmação para os
cristãos?
Em primeiro lugar, é que todo aquele que está
longe de Cristo, não é participante de Seu reino - "Quem não é comigo é contra
mim; e quem comigo não ajunta, espalha" (Mt 12.30). É preciso que os professos
da fé cristã compreendam que o cristianismo é, neste sentido, uma crença de
extremos: ou se está com Cristo, ou se está afastado d'Ele - e, portanto, se é
filho da ira (Ef 2.3). Não é possível viver divorciado do senhorio de Deus, de
Sua soberania e de Sua santidade, e ainda desejar sustentar uma filiação com
Cristo. As Escrituras são explícitas: não existe meio caminho. Não se é "quase
crente" ou "quase mundano" - ou em Cristo, ou nas trevas; ou no céu, ou no
inferno.
Em segundo lugar, os cristãos foram
reconciliados em Cristo e por Cristo - "Porque se nós, sendo inimigos, fomos
reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, tendo sido já
reconciliados, seremos salvos pela sua vida" (Rm 5.10). Não existe outra forma
de reconciliação na vida cristã, exceto por meio do "Cordeiro de Deus, que tira
o pecado do mundo" (Jo 1.29). Homens mortos não abrem boca para clamar ou
possuem lágrimas para chorar; eles precisam de vida, necessitam de novo fôlego.
Assim como após muitos anos de brutalidade e impiedade sobre a terra, sobreveio
o dilúvio, também assim vêm as águas do Senhor e salvam a alguns em Cristo e
sentenciam outros à perdição e ira de Deus. Contudo, as águas de um dilúvio não
somente exterminam os seres não preparados para o viver nas águas (exceto peixes
e outras criaturas dotadas por Deus para serem anfíbios, bem como outros
pequenos seres), mas também revigoram a terra encharcada de pecado, dando-lhe
novos nutrientes, a ponto de Noé sair da arca e já ter boa terra para lavrar (Gn
9.20). Em Cristo, há reconciliação e novo viver.
Em terceiro lugar, por meio do sacrifício de
Cristo, os cristãos possuem paz com Deus - "Tendo sido, pois, justificados pela
fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo" (Rm 5.1). Anteriormente,
Paulo havia dito que por natureza os homens são "filhos da ira" (Ef 2.3) e por
isso não possuem paz com Deus. Tais homens não podem e não devem se achegar com
ousadia ao santuário do Eterno (Hb 10.19), pois à semelhança do sumo sacerdote
que poderia ser punido instantaneamente com a morte, caso se achegasse impuro
diante do Senhor, homens não devem fazer gracejos para com a Palavra do Senhor e
acharem que idas esparsas à igreja ou vez por outra realizarem alguma "oração",
lhes trará paz com Deus. Imaginar que se pode ter paz com o Soberano e Senhor
dos Exércitos, sem passar por Cristo Jesus, é rejeitar o próprio Deus, pois
"Quem me vê a mim vê o Pai" (Jo 14.9).
Em quarto lugar, somente se possui a grandiosa
misericórdia do Deus riquíssimo dela, em Cristo: "Cheguemos, pois, com confiança
ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim
de sermos ajudados em tempo oportuno" (Hb 4.16). Todavia, como pode ser possível
que alguém chegue ao trono da graça, ainda mais "com confiança" de não ser
consumido, mas sim de ser bem recebido? Basta volver-nos para o versículo
anterior e lermos: "Porque não temos um sumo sacerdote que não possa
compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi
tentado, mas sem pecado" (Hb 4.15). Porque Cristo "em tudo foi tentado, mas sem
pecado" e venceu, e cumpriu toda a Lei, os cristãos podem se achegar ao trono do
Senhor e alcançarem clemência.
Em quinto e último lugar, Cristo é o único
caminho para o Pai e, consequentemente, para a salvação - "Eu sou o caminho, e a
verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim" (Jo 14.6). Nem bispos, nem
padres, nem sacerdotes, nem apóstolos modernos, nem "homens show", nem grupos de
dança, nem crianças declamando poemas, ou qualquer coisa desta estirpe leva ao
Senhor. Se a verdade vem somente por meio de Cristo, então é Cristo que
precisamos ouvir - "De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de
Deus" (Rm 10.17).
Assim é
que Paulo faz o adendo e diz: "(pela graça sois salvos)". Este parêntese não
deve ser entendido como um acréscimo do copista ou que não consta nos "melhores
manuscritos", como comumente lemos em algumas versões bíblicas. Para sermos
breves, este parêntese é de fato um parêntese escrito pelo próprio apóstolo,
desejando comunicar que uma vez que os cristãos foram resgatados enquanto ainda
estavam mortos e foram vivificados com Cristo, nada poderia ser mais óbvio do
que afirmar que a salvação é pela graça. Porém, tristemente, se revela que nos
terrenos atuais do que se chama de evangelicalismo, está muito distante de
alguns a verdadeira noção do que vem a ser a graça de
Deus.
Afirmar
que os cristãos foram vivificados "juntamente com Cristo" e salvos "pela graça"
nos leva a três aplicações:
1. A graça não é de
graça
Talvez
estranhemos essa declaração, pois parece contradizer tudo o que vimos até agora.
Contudo, devemos recordar que para nós a graça é de graça, mas a graça que
chegou até nós, não veio de graça. Isto implica em dizer que somos receptores de
algo que não conquistamos, pois tal qual o Israel do Antigo Testamento habitou
em "terra em que não trabalhastes, e cidades que não edificastes, e habitais
nelas e comeis das vinhas e dos olivais que não plantastes" (Js 24.13), assim
também os cristãos, embora tenham recebido a graça de Deus, apenas para eles é
que ela veio de graça, pois para Deus, custou Seu o
Unigênito.
Alguns,
porventura, intentarão a muitos a fim de lhes persuadirem de que de fato a graça
é de graça e, portanto, devemos tão somente agradecer ao Senhor. De fato isto é
verdade, mas porque a graça é de graça para nós, não significa que devemos
ignorar a grandiosa obra do Senhor em Seu Filho, afinal, fomos vivificados com
Cristo. Como, então, devemos receber e aplicar esta graça? "Agora, pois, temei
ao SENHOR, e servi-o com sinceridade e com verdade; e deitai fora os deuses aos
quais serviram vossos pais além do rio e no Egito, e servi ao SENHOR" (Js
24.14).
É mister
que os cristãos proclamem a graça, mas que não se esqueçam de proclamar que
junto com esta graça, é acompanhado a renúncia. A graça nos vem de graça, mas
deve nos levar à renúncia; à abdicação do "eu"; à morte diária do pecado; a mais
dizer "não" para o mundo, do que sim; a guiar nossos relacionamentos sob à luz
da Lei de Deus; à buscar um viver santo em completamente toda e qualquer
ocasião, desde o lavar das mãos para a comida até o pregar do evangelho (1Co
10.31-32). Proclamar a graça é magnificamente importante e esta é a mensagem da
salvação desde os dias subsequentes à queda de Adão e Eva, entretanto, devemos
considerar que a graça que envolve o crente, custou a vida de Cristo e,
portanto, "Aquele que diz que está nele, também deve andar como ele andou" (1Jo
2.6).
Se
Cristo, que é por quem somos atraídos ao Pai, viveu de maneira reta e certa
diante de Deus, acaso haveríamos nós por simplesmente embargar no navio da graça
e esperar sermos levados à cidade celestial, como se por aqui pudéssemos viver
de maneira displicente e rejeitando o Seu sacrifício?
2. A
graça leva às obras
Novamente, embora soe destoante do que comumente se vê
nos arraiais evangélicos, a graça leva às boas obras em Cristo Jesus. Um homem
que professa a fé no Filho de Deus, mas não vive uma vida de piedade, não chora
em contrição pelos pecados cometidos, não anseia ardentemente pelo Dia do Senhor
(tanto o dia propriamente dito, como o dia de Sua vinda), não proclama a Palavra
da verdade - ainda que lhe custe os amigos, emprego e reputação -, não busca
lutar contra o pecado e não se abstém de práticas pecaminosas - desde as maiores
até as menores -, certamente está a um passo de ser tragado pelo Senhor,
bastando que resvale o seu pé e chegue o dia de sua destruição (Dt
32.35).
Tiago
enfatiza e nos ensina esta preciosa verdade: "Porque, assim como o corpo sem o
espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta" (Tg 2.26). Alguém
poderá replicar e afirmar que Tiago está falando de fé, enquanto o presente
versículo de Paulo, fala de graça. A estes, nada responderemos no momento, pois
logo no versículo oitavo do presente capítulo de Efésios se vislumbrará que a
graça é o que nos leva à fé.
É
importante que os cristãos compreendam que afirmar estar na graça, mas não ser
impelido a realizar as obras do Espírito, é viver em uma contradição - e como
vimos anteriormente, não pode haver meio termo: ou se está em Cristo e se
pratica as obras do evangelho, ou se vive nas trevas e pratica-se as obras do
maligno. Certamente que isto não significa que o verdadeiro cristão nunca poderá
fraquejar ou viver de modo contrário à Palavra, pois se o próprio apóstolo Paulo
queixava-se e lamentava profundamente o pecado que ainda permanecia em seu corpo
(Rm 7.24), que diremos nós?
O
cristão é alguém ativo e que porque foi tocado pela graça, é levado a praticar
as obras do Senhor e observar toda a Sua Lei - não devido a por elas ser salvo,
mas sim porque, assim como um filho agradece ao pai terreno por um presente que
recebeu e depois procura ser um bom filho em obediência e bons feitos, de igual
maneira o cristão é levado a buscar viver de modo que glorifique ao Senhor em
tudo o que faz (1Co 10.31), mesmo sabendo que constantemente vacilará - mas,
como é crente na graça de Deus, não desfalecerá pela caminho, "Porque Deus é o
que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade" (Fp
2.13)
3. A
graça não elimina os efeitos do pecado aqui na
terra
É um
erro grosseiro o cristão ser levado a pensar (e até mesmo proclamar) que porque
foi perdoado, não deve sofrer as consequência do pecado e de seus pecados
enquanto vive. Se fosse verdade que a graça elimina toda e qualquer mazela
proveniente do pecado, o ladrão da cruz teria de ser liberto, pois foi salvo por
Cristo e teve seus pecados perdoados (Lc 23.43); Davi não deveria ter sido
castigado com a morte de seu filho advindo do adultério, pois posteriormente
orou e pediu a Deus que lhe perdoasse (2Sm 2.13-14; Sl 51); o povo de Israel
também foi castigado, então, várias vezes de modo injusto, pois o Senhor os
perdoava constantemente.
A
verdade é que no lugar do evangelho da graça, se tem visto muitas vezes a
proclamação do evangelho da desgraça. Sim, não ouso titubear ante esta apostasia
generalizada que vemos em muitas ditas igrejas de "Jesus" e movimentos malignos.
Pela misericórdia do Eterno sempre tem havido o remanescente fiel e que não tem
se dobrado diante dos ídolos levantados por homens (1Rs 19.18), como sucesso,
dinheiro, riquezas, fama, prestígio, curas, milagres, livre arbítrio e toda
sorte de patifaria que se tem visto. Todavia, tristes fatos havemos de recordar,
pois não são poucos que elevam suas vozes de falsos profetas e proclamam uma
graça que mais traz desgraça (a falta da genuína graça de Deus), do que a
verdadeira graça salvadora.
Que
possa o Senhor abundar-nos de graça, mas sempre nos levando em Sua viva palavra,
a fim que não nos esqueçamos de Ele, "pois, compadece-se de quem quer, e
endurece a quem quer" (Rm 9.18), de modo que não brinquemos por esta terra, e
sim vivamos conforme nosso chamado para a batalha pelo Reino de
Deus.
- Sobre o autor: Filipe Luiz C. Machado mora em Blumenau/SC, é Presbítero da Igreja Cristã Reformada de Blumenau. Analista, crítico e amante da vida cristã. Casado com Angela, autor do blog 2Timóteo 3.16.
Fonte: 2Timóteo 3.16 in Bereianos
- Sobre o autor: Filipe Luiz C. Machado mora em Blumenau/SC, é Presbítero da Igreja Cristã Reformada de Blumenau. Analista, crítico e amante da vida cristã. Casado com Angela, autor do blog 2Timóteo 3.16.
Fonte: 2Timóteo 3.16 in Bereianos
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